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"Sometimes meaningless gestures are all we have"

quarta-feira, março 26, 2003
Gangues De Nova York (Gangs From New York)

Ótimo filme de Scorsese. Apesar de todos os pesares da produção que ficamos sabendo aqui e ali no final o que resulta é um bom filme, com falhas espalhadas mas que não prejudicam o todo. Não sei apontar, a não ser a direção, o elemento que se destaca pois todas as peças que fazem o filme são competentes mas não marcantes, isto é, a música, a montagem, o figurino, a direção de arte, o elenco, o roteiro, a fotografia, etc. E o filme se mantém mesmo com uma trama básica pra lá de batida. Vejamos: gangues rivais se enfrentam e o líder de uma mata o líder da outra na frente do filho deste. Ele cresce e se integra a gangue do inimigo, lá vai conquistar a confiança do líder e se envolver românticamente com uma mulher ligada ao líder, seja uma filha, uma esposa, uma irmã, etc. O primeiro confronto vai deixar o vingador humilhado perante todos e será poupado, mas marcado de alguma forma. Escondido de todos e ajudado por poucos vai se reerguer e rivalizar com o líder na área de dominação (política, esporte, artes, submundo). Um amigo que o tenha traído se arrependerá e mudará de lado, mas vai ser sacrificado para que o herói assuma uma posição definitiva (no filme há dois casos, o amigo e o político). Ocorre o confronto final. Vence o herói ou ambos morrem e o herói é alçado mártir de uma geração ou em poucos casos o vilão vence e o herói é esquecido (mas seu amor vai sobreviver num filho que a mulher espera). Enfim, já vimos muitos filmes assim, não? E isso pode acontecer em muitas épocas ou situações diferentes.

O que passa no filme de Scorsese é que isso não atrapalha, só não pode vir a ser mais do que poderia ser. Gostaria que o filme fosse mais um painel histórico que uma narrativa de vingança, seus melhores momentos ficam nessa visão geral de NY no fim do século 19, os mais fracos no desenvolvimento dos personagens até num interesse romântico. Aliás, o personagem de Cameron Diaz desperta simpatia e boas cenas, mas num todo é totalmente dispensável, todas as suas cenas poderiam ser cortadas sem perda (os roubos, a cena da dança, a cena de sexo). O meio do filme demora um pouco mais do que o necessário, já que não aprofunda os personagens, só tenta montar uma história. Não vi a falta de cenas já que o filme teve vários cortes, talvez sejam as cenas que mais gostaria que teriam essa condição de painel histórico, coisa que a Miramax pode ter achado inútil para a história contada... Só uma vez senti que houve um corte, na parte do teatro chinês quando DiCaprio está preparado para matar Day Lewis, a personagem de Diaz parece saber algo que não foi contado a ela (ou não contado ao público) que ele queria matar o Butcher, mas para isso ela deveria saber quem é realmente DiCaprio, acho que há cenas que antecedem essa seqüência.

O filme procura também ser bastante explicado, usando pequenos flashbacks para reforçar quem é o personagem, quando em alguns casos é totalmente desnecessário. Essa necessidade de explicar se vê no início principalmente, numa decupagem básica ao extremo (a preparação para a luta inicial não poderia ser mostrada de forma mais didática possível).

Não sei o problema com DiCaprio que não consegue criar simpatia com o público neste filme, talvez pelo roteiro ou direção (já que em Prenda-Me Se For Capaz consegue ter carisma). Day Lewis está muito bem, mas não foge muito do registro de atuação que já se mostrou capaz antes. Cameron está bem. Todos os outros estão ok.

Os pequenos detalhes que são ótimos, como o travelling dos irlandeses chegando, se alistando, indo para a guerra e voltando em caixões; a frase do político que "em política não importam os votos, mas os apuradores"; os 3 améns intercalados em 3 distintos lugares e falados por 3 diferentes pessoas, o Deus de cada um parece ser totalmente diferente um do outro; o final caótico que é engolido pelo poder do estado se fazendo presente no exército e nas bombas lançadas na cidade e mostrando o ridículo do confronto das gangues diante de um quadro maior.

Apesar de querer falar de algo grande o filme poderia muito bem ser um filme sobre gangues de LA como Colors ou diversas outras gangues (até aqui no Brasil). Toda a ética e o organismo do submundo mostrado no filme pode ser transportado para qualquer era.

E o final é uma grande demonstração de amor pela cidade de NY, coisa que se fosse novaiorquino o filme me daria orgulho, pois sua base é feita de muito sangue e luta, não vejo exatamente como critica, ainda mais vindo de Scorsese que tem fascínio pela criminalidade. E a canção do U2 tocado ao final adquire mais força que antes e uma escolha acertada (quase única, não saberia ver qual outra banda poderia se encaixar tão bem para o espírito do filme).

Agora fiquei com muita vontade é de ler o livro que é menos uma estória contada e mais um painel da época.


posted by RENATO DOHO 10:42 PM
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