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"Sometimes meaningless gestures are all we have"

domingo, novembro 07, 2004
Mostra BR (4)



Bem Me Quer, Mal Me Quer (Je T'Aime... Moi Non Plus)

O documentário realizado por Maria De Medeiros retrata o eterno relacionamento de amor e ódio entre cineastas e críticos. Ela aproveitou o festival de Cannes para entrevistar os dois lados (Almodóvar, Cronenberg, Egoyam, críticos da Positif, Cahiers, etcs) e juntou as entrevistas em pequenos blocos. Há várias coisas engraçadas e legais, mesmo que o formato seja básico. Quase não vemos as perguntas, só as respostas. Do Brasil Luiz Carlos Merten, Leon Cakoff e Rubens Ewald Filho são os entrevistados. Para quem interesse no assunto o filme é satisfatório diante das circunstâncias (poderia se expandir mais a época e os entrevistados, mas claramente parece um projeto que quis minimizar os custos entrevistando todos num único evento e diante isso é bem realizado).

A Definição Da Insanidade (The Definition Of Insanity)

Quase uma ego trip do diretor que é ator principal. Basicamente ele retrata seu cotidiano de ator que já passou da idade de ser uma revelação e ainda tenta ser bem sucedido na carreira em entrevistas e audições. Como ele tem uma família para sustentar (filho e esposa) a pressão para que ele desista do sonho e passe a trabalhar em algo regular é grande (tanto da esposa quanto da família que ainda empresta grana para ele). O ator lembra John Turturro e a atriz que faz sua esposa é bonita (e desconhecida para mim). Peter Bogdanovich faz uma participação especial. Se não apresenta nada de novo o filme em certos momentos faz com que nos identifiquemos com a impotência do protagonista diante de uma carreira aparentemente sem futuro e totalmente imprevisível, especialmente quando vemos o comportamento cada vez mais distante da esposa.

Dandelion (Idem)

Um filme independente americano que ao menos tem um bom tratamento visual já que a "mania" atual é de fotografia crua, digital, etcs. A beleza visual se mostra em paisagens, na escolha dos atores, na composição de cenários e na escolha da trilha sonora. Por outro lado a história é conhecida, garoto sem muita perspectiva de vida (a idéia de suicídio é recorrente) encontra numa garota a alegria que faltava, mas acontecimentos outros vão atrapalhar as coisas. Lembra o Prova De Amor na coisa de cidade do interior e relacionamento amoroso e também um pouco de Undertow. O ator principal, Vincent Kartheiser, tem um jeito delicado (até na fisionomia suave) ideal para o personagem (lembra o personagem dele em Crime + Castigo). Os clichês de filmes indies aparecem aqui e ali, mas não atrapalham (a relação com o pai é boa). Apenas o uso do homem do trem é um pouco forçado, feita para ser exótico. No geral é um bom filme e uma boa estréia do diretor, vamos ver como ele evolui.

Cinco (Five)

Kiarostami faz 5 longas tomadas (o projeto é uma homenagem à Yasujiro Ozu) onde o mar é predominante. Dos 5 apenas não gosto da terceira tomada onde vemos cachorros ao longe, na praia (a não ser pelo uso do diafragma se abrindo achei que outra tomada seria melhor). A primeira achei muita boa por ser a mais "dirigida", isto é, a câmera acompanha um pedaço de madeira na areia, perto da arrebentação das ondas, nosso olhar é dirigido mais explicitamente, mesmo que com liberdade. Quando o pedaço de madeira se desfaz em 2 (um pequeno pedaço se solta) e temos os dois no plano mas ficamos com o que se desfez e não com o pedaço original é algo brilhante (e melhor ainda depois vemos lá ao fundo o pedaço maior flutuando). A tomada dos patos parece uma concessão, um alívio para a platéia achar "uma gracinha" os patos, só que achei boa por ser um pouco similar ao do pessoal que anda na orla da praia (por que os patos andando são engraçados e pessoas andando não são?) e pelo ótimo som. Aliás, som e imagem se misturam de forma espectacular na última tomada (que eu não acho que seja uma única, mas não li nada a respeito ainda) onde pouco vemos um pedaço de um.. (riacho, mar, lagoa?) à noite com o brilho da lua e os sons de animais e insetos (além da chuva). Gostaria de saber mais sobre a feitura do filme, pois se tudo realmente for ao acaso (de nada ter sido preparado) Kiarostami tem uma sorte dos diabos! Ainda mais se cada tomada foi única (isso eu acho que não é, como também o som no último plano que parece montado). Claro que o filme abre espaço para dezenas de interpretações, mas isso quem faz melhor são os outros, não eu.

10 Sobre Dez (10 On Ten)

Literalmente uma aula de cinema com Kiarostami ao volante dirigindo e falando sobre seu processo de filmagem (especialmente de Dez) enquanto vemos pela janela as paisagens que aparecem em Gosto De Cereja (o local favorito de Kiarostami). Algumas cenas de Dez aparecem de vez em quando para pontuar algo que ele diz. É fascinante, mesmo que por horas seja óbvio o que ele diz. Ao mesmo tempo é um tipo de abordagem sobre o cinema e não a única (ainda bem). Há uma crítica à Hollywood na parte final que Kiarostami aborda ironicamente (dando os passos aos jovens cineastas que queiram ser bem sucedidos). Não vejo o interesse neste filme para quem não tem uma ligação com o cinema mais do que de simples espectador (a não ser que se queira saber mais do processo de direção de Kiarostami, mas também isso eu acho específico para quem mexa com cinema, não vejo o sentido disso para aqueles que apenas apreciem o cinema).

5 X 2 (Cinq Fois Deux)

François Ozon é irregular. E depois De Swimming Pool ele volta com um filme melhor falando de uma relação amorosa vista em ordem invertida. Começamos no divórcio e terminamos no primeiro encontro. Visto em ambas as ordens o final não é feliz, mas na ordem invertida o final é mais melancólico, como se houvesse a possibilidade de mudança mesmo sabendo qual é o futuro (caso contrário o final seria mais brutal). A atriz Valeria Bruni Tedeschi tem certos momentos parece muito a Gillian Anderson, ela é irmã da cantora Carla Bruni. Tem uma beleza madura e (fetiche de Ozon) parece a Ludivine Sagnier se envelhecida. Como ela está trabalhando no próximo de Ozon parece que a relação deu certo. O casal do filme em vários momentos não parece realmente se amar (o que ela faz após o casamento é um indício, o encontro com o irmão gay dele é outro, o próprio primeiro encontro deles é morno) então não chega a ser pessimista ao casamento (o processo inverso de desconstrução da relação não é tão drástica assim de inteiramente apaixonados para um ódio mútuo).

Quase Dois Irmãos

Uma bela surpresa já que não ia ver o filme, mas por um encaixe de horário fui conferir e acabei vendo um dos melhores nacionais do ano (mas eu vi poucos este ano, só que não acho que Olga, Cazuza, A Dona História e outros sejam concorrentes). Lúcia Murat é segura na direção e faz um thriller político de primeira. O maior destaque é o trabalho de elenco que é fantástico. Creio que nenhum ator do filme (até figurantes) esteja ruim em todo o filme! O guarda da prisão, os prisioneiros sem falas, os traficantes da favela, os moradores de lá... é impressionante como foram bem trabalhados (nos créditos vi que é o pessoal Nós Do Cinema e outros que fazem um excelente trabalho mesmo). Isso ajuda e muito na criação do clima do filme. Flávio Bauraqui, um dos protagonistas, está excelente na composição de Jorginho. Paulo Lins é um dos roteiristas e isso nos faz lembrar de Cidade De Deus em algumas situações, mas ao contrário de Cidade, Murat consegue driblar as falhas do outro ao não impôr uma direção que chama atenção para si mesma, o filme não parece querer mostrar que Murat está na direção, não fica evidente pois estamos imersos na história e nas interpretações (talvez um ou outro take seja mais chamativo neste aspecto, mas é pouco). A fotografia, a trilha, os cenários, tudo ajuda. O conflito de classes (no presídio entre os prisioneiros políticos e os comuns, na sociedade entre o pessoal da favela e do asfalto) é bem apresentado (especialmente no tempo passado). De Murat já tinha ouvido elogios ao Brava Gente Brasileira que agora quero conferir logo. É o primeiro filme dela que vejo e fiquei com ótima impressão.


posted by RENATO DOHO 11:19 AM
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