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"Sometimes meaningless gestures are all we have"

terça-feira, janeiro 30, 2007
A Sete Palmos (Six Feet Under): 2001 - 2005

6 Feet Under

Alan Ball, de Beleza Americana, é o criador dessa série da HBO que durou cinco temporadas. Faltavam para serem vistas a terceira, quarta e quinta que consegui através de downloads, locação e até em dois episódios vistos na Warner. Há uma diferença de percepção ao conseguir ver 3 temporadas que duraram 3 anos, com uma semana de diferença entre um episódio e outro em poucas semanas. Fica mais evidente certos processos pelas quais a série (e quase todas as outras) passa. Não chega a ser uma jornada de 5 anos com aquela família, mas apenas meses ou só um ano. Por isso as vantagens e desvantagens do acesso outro que não a da exibição normal através do canal originalmente proposto.

A série trata da morte, como é óbvio, vista através da família Fisher que é dona de uma casa funerária. A morte do patriarca logo no episódio inicial que dá a partida para o desenvolvimento dos demais personagens. O filho mais velho, que sumiu de casa quando jovem, volta para o funeral e acaba assumindo a funerária com seu irmão mais jovem que ficou todo esse tempo com a família e acabou seguindo os passos do pai. A primeira temporada trata de como os membros da família vão lidar com a situação e a luta de David (o irmão mais jovem) em assumir sua homossexualidade. Na segunda se aprofunda no relacionamento de Nate (o mais velho) e Brenda, a descoberta de um problema de saúde de Nate e a possibilidade de perda do negócio familiar.

E chegamos nas últimas três temporadas que vi mais recentemente. Se comparadas é clara a superioridade da última, seguido da terceira com um ritmo mais lento e da mais fraca, a quarta, onde pouca coisa realmente ocorreu. Toda a terceira é marcada pela presença de Lisa (Lili Taylor) que está casada com Nate e tem uma filhinha juntos, Maya. É através da presença e ausência dela que a temporada se move. Quando ela desaparece e sabemos de sua morte na quarta temporada há um período de luto que afeta todos, mesmo que indiretamente e faz com que a narrativa patine, tentando recomeçar a história Nate e Brenda e fazendo do drama de Rico e o novo casamento de Ruth as tramas principais, o que não são exatamente de grande força dramática para a série como um todo (muito indiretamente lidam com os temas da série ao contrário das narrativas anteriores). O trauma que David sofre após cruzar o caminho de um psicopata é o único ponto mais forte, lidando com a perda de sua ingenuidade e seu confrontamento mais real com a morte. Uma das indicações que a quarta foi uma temporada fraca aparece logo no início, na mudança de temporada não houve nenhum pulo temporal, ainda estamos no pós-festa do casamento de Ruth com George. E isso se repetiria em mais episódios, transformando a série numa espécie de novela, não separando bem os episódios e não deixando assuntos para a imaginação do espectador; começamos a acompanhar mesmo o dia a dia dos personagens, com isso o poder de síntese fica enfraquecido.

Uma das qualidades dessas temporadas foi a entrada de Claire na escola de artes, já antevendo que ela seria o personagem há tentar algo diferente e que tentou expressar sua confusão através da arte. Alan Ball diz que se identificava com o personagem pelo fato de ser bem mais jovem que os irmãos e ter inclinações artísticas.

Mas então chega a quinta e não sei se a produção sabia que seria a última temporada, provável que sim, mas há um salto de qualidade visível. São fortes os temas tratados como a doença de George e a angústia cada vez maior de Ruth, a desilução de Claire e seu emprego medíocre num escritório onde começa a duvidar de sua vida artística e achar que é aquele mundo quase oco que ela vai ter que pertencer, a busca por filhos de David e Keith e a percepção tardia de Nate do que realmente lhe interessa na vida. A morte de Nate antes do final da série foi uma ótima decisão e acabou levando à realização dos melhores episódios da série um atrás do outro. O final teria que ser a morte de alguém da família, como o início foi e não poderia ser outro a não ser Nate (que antes de tudo é Jr.). O episódio final consegue fechar o ciclo em grande estilo. Na última seqüência, ao som de Breathe Me (Sia) as sucessivas mortes causam alegria a tristeza (quase chegando às lágrimas). Seria o melhor jeito de acabar? Provável que sim, mas ao mesmo tempo é triste vermos todos os personagens que nos afeiçoamos com o tempo morrendo um a um. Temos pequenas visões do futuro em paralelo à Claire na estrada, indo para o seu futuro, mostrando como tudo acaba um dia, mas dando importância ao caminho que trilhamos até lá. Um porém é que faltou no último fade em branco aparecer o próprio seriado como falecido, Six Feet Under 2001 - 2005 que seria o fecho ideal mas não ocorreu.

Todas as fugas as quais os personagens recorrem geralmente acabam em sexo e drogas. Algumas horas essas fugas parecem esquemáticas demais. As súbitas atrações são logo correspondidas, seja Nate com qualquer mulher ou David com qualquer homem. Quase todos os personagens da série consumiram drogas (não lembro de Rico), se não por livre e espontânea vontade por acidente (Ruth e Nate tomando ecstasy) ou à força (David fumando crack). Nem Weeds que trata do assunto conseguiu essa "proeza". E muitas vezes isso enfraquecia críticas outras do status quo americano. Claire falando da administração Bush ou da guerra no Iraque poderia soar como papo de hippie drogada. E mesmo críticas vindas de personagens "caretas" perdiam a força por outros aspectos: George em suas diversas falas políticas foram soterradas pela sua doença (virou papo de louco).

Numa geral da série vemos um natural pessimismo e um auto-sabotamento de todos os personagens. Fica claro desde o início que todos eles em algum momento estragarão tudo. Mesmo quando parece que algo positivo ocorre algo negativo está logo à frente esperando a vez. Causa uma certa previsibilidade não intencional. A série é numerosa em exemplos:

• Nate e Lisa casam e formam família - Brenda volta e Lisa some
• Lisa morre e Nate e Brenda ficam juntos novamente - a gravidez de Brenda causa conflitos no casal e Nate se afeiçoa por Maggie
• Nate transa com Maggie - Nate sofre um derrame
• Nate finalmente decide como quer sua vida, principalmente amorosa e diz isso para Brenda, deixando claro que eles não servem um para o outro - Nate morre
• David e Keith vão morar juntos - os dois transam com outros, brigam e se separam
• David e Keith voltam a se relacionar - David fica refém de um psicopata, depois num acesso de fúria morde a orelha de um homem
• David fica livre de processos e Keith arranja um bom emprego - os garotos que adotam se mostram problemáticos
• Claire se relaciona com alguém - esse alguém se mostra de alguma forma perturbado
• Claire volta com Billy e aparentemente tudo está bem - Billy pára de tomar os remédios e seu lado psicótico ressurge
• Ruth conhece e desconhece vários homens, casa com George - o passado de George é obscuro e ele tem uma doença que não quis revelar
• Rico volta com a esposa - Vanessa o trata pior que antes
• etcs

Toda essa estrutura apenas se desfaz nos últimos episódios. Claire conhece Ted e ele não apresenta algo terrível logo a seguir. Finalmente David, Keith e os garotos se dão bem. George passa a ajudar Ruth e se mostra um grande companheiro. Rico volta a se relacionar bem com Vanessa e tenta abrir um novo negócio. Brenda se afasta de Billy antes que algo pior surja e tem o bebê que não apresenta problemas. No fim há esperança, coisa que sempre foi suprida no decorrer da história.

Talvez o único personagem que em boa parte da série serviu como luz foi o de Maya. A escolha da garotinha (na verdade gêmeas, pois só assim para trabalhar num seriado) foi excelente. Acompanhamos seu crescimento, seus olhares, risos e depois as primeiras falas. É o personagem intacto, o único puro entre eles, não há histórias criadas em torno de Maya que sejam negativas, ela não fica doente ou não se adapta com Brenda sentindo falta da mãe ou comete algum ato que cause meros obstáculos narrativos. Ela consegue unir os lados bons de Nate e Lisa, a espiritualidade desencontrada do pai e o otimismo da mãe. Ela traz alegria para quase todos os personagens do seriado. O único momento diferente é quando questiona a ausência de Nate, mas isso passa. E a atriz mirim é muito expressiva em todos os momentos que aparece em cena.

Várias outras coisas poderiam ser discutidas aqui, como as mortes iniciais em relação ao que o episódio vai tratar ou a mudança do clima do piloto para o que virou o seriado (os comerciais de produtos de funerária davam um tom mais cômico do que acabou sendo, por isso nunca mais apareceram) ou as fantasias constantes que todos tinham onde os escritores podiam colocar coisas mais ousadas com a proteção de não assumirem por completo os atos (eram apenas fantasias / sonhos / pesadelos) ou a representatividade das mulheres apresentadas em toda sua difícil caracterização psicológica...

E isso que nem se tocou nas grandes atuações do elenco, em especial de Frances Conroy, a matriarca da família, brilhante em diversos momentos e extremamente complexa. E Lauren Ambrose se mostrou a cada ano melhor. Muitos vindo do teatro e, no começo, pouco conhecidos. Entre os diretores presenças de Rodrigo Garcia, Jeremy Podeswa, Kathy Bates, Nicole Holofcener, Michael Cuesta, Jim McBride e até o Alan Ball.

Ah, e o tema da ótima abertura é antológica.

Os extras do último dvd contém um retrospecto muito bom da empreitada com o criador, os diretores, roteiristas e elenco dando suas opiniões. É uma excelente forma de embrulhar tudo de um além-seriado.

No final o seriado se mostrou muito bom, com suas qualidades e defeitos, girando em torno de um assunto que sempre é evitado, a morte e a mortalidade dos seres humanos.

posted by RENATO DOHO 12:25 AM
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