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"Sometimes meaningless gestures are all we have"

segunda-feira, julho 21, 2008
Batman - O Cavaleiro Das Trevas (The Dark Knight)



Duas surpresas diante do filme. A primeira é ter adorado um filme de Christopher Nolan, cuja em toda filmografia tenha achado no máximo bons alguns filmes (a saber, Amnésia e parte de Batman Begins). A segunda é Heath Ledger como o Coringa. Não fui um dos que caíram de amores por ele logo após sua morte, não tinha particular admiração por seu trabalho, nem pelo seu mais comentado papel em O Segredo De Brokeback Mountain, que aliás nem o filme eu chego a gostar. Então para mim parecia natural eu não ir na onda dos que estão achando incrivel sua performance como o Coringa, ter pés atrás. Isso não ocorreu, fiquei realmente surpreendido por sua interpretação, vendo uma grande entrega por esse personagem.

Mas, o que realmente queria destacar, e talvez venha a ser uma terceira surpresa é minha admiração pelo roteiro do filme. Foi-se o tempo em que chegava a prestar atenção nisso, tanto é que não saberia apontar uns 5 roteiristas da atualidade cujo trabalho gosto e acompanho, o que fazia antes com nomes como David Mamet e Neil Simon. Durante o filme foi o aspecto que mais me cativou: a trama básica, os temas tratados, as situações criadas e algumas falas ditas. Quando via o Coringa em ação tanto achava a atuação muito boa quanto gostava ainda mais do que ele dizia e de como conduzia a trama. A situação de caos e falta de esperança que vão se acumulando mais para o final diante de uma Gotham desprotegida é construída pelo enredo (auxiliada também pelo uso criativo da música, especialmente o tema do Coringa, que dá a sensação de perigo iminente, de grande tensão). Assim, muito menos que em outros trabalhos dos irmãos Nolan (principalmente O Grande Truque), os "truques" da narrativa se encaixam perfeitamente, seja na decisão de qual pessoa salvar (Rachel ou Harvey) ou nas barcas prestes a explodir, não parecem estar como puras estripulias de roteiro, mas coesos com o que querem tratar. Também a carta da Rachel é ao mesmo tempo importante e emocionante, mais uma vez mostrando dois caminhos, duas formas de agir e qual ela tem vontade de seguir.



Nolan, nas cenas de ação, evoluiu bastante a ponto de trazer uma das melhores seqüências do filme que é a perseguição automobilística envolvendo o furgão da polícia, um caminhão e o batmóvel. E atinge o auge com o batpod, com o som muito bem trabalhado realçando toda a ação (sentimos tanto a potência da máquina quanto sua presença imponente). A cena em que o caminhão tomba, mesmo já vista no trailer, empolga ao ponto de obter reações da platéia (creio que aplausos em outras épocas ou com outra platéia seria perfeitamente plausível), assim como o simples recurso do batpod usar a parede para reverter a posição. Mais do que isso é inserir em toda essa ação mais um confronto de modos de ação, duas formas de pensar e agir. Por isso quando o batpod se dirige de encontro ao Coringa e ele parece ansiar por isso é menos a ação em si, mas mais o duelo "mental" que se estabelece, até que ponto Batman chega e até que ponto o Coringa consegue comprovar sua teoria.

Esse experimento do Coringa tem influências de A Piada Mortal e é aplicado tanto em Batman quanto em Harvey Dent e toda população de Gotham. Os três reagem de formas distintas.



Finalmente o Coringa é uma entidade ameaçadora, imprevisível, sádica, sadomasoquista, perversa, mentirosa e ácidamente bem humorada. A trama policial e até social, é perfeita para o personagem que não é visto como especialmente interessado em poder, dinheiro ou algum plano mirabolante como geralmente ocorre. Sua maquiagem, que primeiramente surpreendeu a todos, é uma das melhores caracterizações para seu personagem, a mais "realista", por assim dizer. Ela borrada com o tempo é ainda melhor.

Essa procura pelo tal realismo que torna a noção de caos social palpável. Gotham já não é aquela cidade imaginária de antes, mas sim cada cidade de cada pessoa que vê o filme. A corrupção percorrendo todas as esferas, a sistemática queda tanto de figuras emblemáticas quanto de instituições (governo, polícia, hospital, transporte, família, cidade) só aproxima cada vez mais o espectador do filme, criando uma identificação com sua própria realidade.



Voltando à ação, Nolan apenas derrapa na confusa cena do prédio com os reféns, usando (ou abusando) do efeito de sonar, que tem um visual fantasioso demais (coerente com o personagem, um morcego).

Só que o filme não é só o Coringa ou o roteiro, mas todo um conjunto e Nolan tem sua cota de responsabilidade na direção do filme. Se ele não chega a ser extremamente criativo a ponto de tornar cada cena memorável do ponto de vista da mise en scène há momentos elogiáveis como a saída do Coringa do hospital, vestido de enfermeira; mais uma vez ele, saindo da prisão num carro de polícia e esticando o pescoço para fora para apreciar o vento na cara; a já dita cena da perseguição de automóveis; e a mais clara cena em que se destaca sua direção: a reversão da câmera ao mostrar o Coringa de cabeça para baixo, fazendo de seu discurso extremamente mais significativo e deixando ele e Batman, cara a cara, de igual para igual. É a última cena do Coringa e ele não é mostrado de cabeça pra baixo, então seria todo o resto que estaria de cabeça para baixo?



O filme é cheio de dualidades, com a moeda de Harvey como símbolo maior, e Nolan já tratava disso desde o primeiro filme em que um jovem começa a imitar um ladrão e acaba assumindo sua persona sem que ele quisesse.

Quanto ao Batman, visto por muitos como coadjuvante do filme, acho que é o principal e, mais importante ainda, é visto mais como um símbolo do que representa e isso deveria ser uma norma para não ser desrespeitada. A cada cena dele "ao natural", interagindo com as pessoas, menos ele se torna crível. Quanto mais misterioso, melhor. Ele tem que ser uma entidade, como o é quando aparece na sala de interrogatório atrás do Coringa. Afinal ele é todo ação e nenhum discurso, nisso que Wayne via o oposto e a salvação em Harvey. Toda a parte discursiva do personagem deveria ser passada através de Wayne, o que o filme tenta, mas não toda hora. Sua decisão final é digna das melhores sagas heróicas, se tornando cada vez mais um outcast, um pária, um anti-herói numa cruzada ainda mais solitária que é o maior herói de todos. E isso lembra tanto o Surfista Prateado no especial Stan Lee e Moebius quanto, recentemente, Jack Bauer no final da quarta temporada de 24 Horas, o final que deveria ser definitivo para a série, mas infelizmente não foi.



Considero uma das melhores adaptações de quadrinhos para a tela e a abordagem é como eu sempre gostaria de ver tratado certos quadrinhos, especialmente o Batman. E ainda com pouquissimos cgis (mais uma vez só aquele sonar pra estragar um pouco). Mais poderia ser dito e pensado, mas apenas com a revisão do filme.

Não imaginaria isso acontecendo, mas Nolan está de parabéns pelo filme e que ele (o filme) influencie futuras adaptações e os próximos Batmans.



posted by RENATO DOHO 7:15 PM
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