domingo, agosto 01, 2004
Efeito Borboleta (The Butterfly Effect)
Uma boa surpresa (nem tanto, já que o Ailton viu antes e adorou) vindo dos roteiristas de Premonição 2 estreando na direção em dupla, Eric Bress & J. Mackye Gruber. O filme passa levemente sobre o tema da teoria do caos e das viagens no tempo, mas o que realmente quer falar são os pequenos acasos que mudam a trajetória de uma pessoa. Não há sequer a tentativa de explicar do por quê o protagonista sofrer do mesmo mal do pai, que é ter amnésias repentinas e depois de um tempo descobrir que pode voltar no tempo lendo seu diário, não se tenta fazer isso porque o filme não chega a ser uma ficção científica investigativa, mas sim um jogo para mostrar os possíveis caminhos que a vida pode tomar no decorrer da jornada. Tudo é feito de forma envolvente, com bons atores juvenis (e Ashton Kutcher não estraga sendo o ator principal, mesmo que só tenha duas facetas: certinho sem barba, perturbado com barba) e direção discreta. A transformação de alguns atores é muito boa, em especial a de Lenny (soube depois que o ator gravou as cenas dele magro antes e engordou para retratar Lenny em estado perturbado).
Há problemas, claro, mas não compremetem o todo. Um deles, o mais óbvio é que o filme se concentra só no que acontece aos personagens, isto é, muda-se algo no passado e vai afetar só os personagens principais no futuro, nada mais muda (se lembrarmos de De Volta Para O Futuro há mudanças drásticas na sociedade como um todo por atitudes individuais). Outro é que o psicologismo é mais do que superficial (mas isso facilitou a condução da trama), se alguém teve um pai pedófilo vai torturar animais e acabar na prisão ou consertando carros; outro personagem passa a fumar por um incidente e tem câncer no pulmão; há rejeição de uma coisa e vira-se puta; tem-se um trauma infantil, vira um debilóide quando grande... ações e reações descomplicadas demais. Uma coisa que notei é que o protagonista tinha que viver um pouco em cada realidade que caia só para o público se situar, pois algumas coisas teriam que ser imediatamente resolvidas, isto é, pegar o diário e ler rapidamente ao se tocar o que aconteceu ou vai acontecer, mas isso não deixaria o público ver como a realidade mostrada é "errada". A realidade mais estranha é a supostamente mais bem sucedida, onde ele é um playboy de fraternidade, um veterano que aterroriza calouros, bem superficial, que só tem amigos idiotas enquanto que a realidade supostamente fracassada tem ele sendo bom aluno de psicologia, tendo um amigo de quarto alternativo... Mas o ponto que mais me interessou é que ao final (mesmo que em menos intensidade do que se poderia esperar) o protagonista percebe que não há uma realidade perfeita, que temos que escolher o que sacrificar para continuarmos vivendo, que temos que deixar de lado o passado (ele literalmente faz do seu passado cinzas). Isso inclui até perder o grande amor (o filme tenta vender essa idéia, mas se lembrarmos, na realidade número 1, a real mesmo, ele e a garota nunca mais se viram depois que ele se muda, então não é um grande amor, isso só acontece depois em outras realidades). Caso o final fosse mais feliz o filme fracassaria, caso o final fosse mais pessimista talvez ficasse ainda mais interessante (parece ser esse o final no director's cut). No meio termo que ficou está ok.
O filme lembra o cult Donnie Darko em certas partes, só que não se aprofunda como o semelhante. Darko questiona mais as coisas e vai na psiquê dos comportamentos apresentados, por isso pode ser revisto muitas vezes mesmo se sabendo do final. Efeito pode não ter o mesmo "efeito" se revisto mais vezes, pois o roteiro é montado para que o mais importante seja o que vai acontecer em seguida e não analisar os personagens profundamente. Efeito seria um belo divertimento enquanto Darko um ótimo filme. De forma ácida Darko comenta sobre a estrutura familiar, a psicanálise, o sistema educacional, os gurus de auto ajuda, o universo de competitividade, do falso moralismo, da confusão mental dos adolescentes, entre vários outros assuntos. Não que Efeito não passe também por certos assuntos (pedofilia, criação, memória, etcs), mas privilegia a dinâmica do roteiro para agilizar a narrativa (um exemplo bem rápido: os estigmas que Kutcher provoca nele mesmo só servem para a história e não algum assunto relevante relacionado à religião). Em Darko há também o sacrifício final, o personagem tem que morrer para que toda a realidade (e o mundo / universo) sobreviva e com isso ele nem chegará a fazer parte da vida do que seria seu grande amor.
Parece que lá fora o filme foi muito criticado, o que não deixa de ser curioso, já que o filme não chega perto de ser ruim, mas dava pra se ler coisas como "this is the first film made by writer-directors Eric Bress and J. Mackye Gruber. In some ways, that fact should be a relief to them - it's hard to see how they can get any worse". Em bilheterias não foi fracasso. Talvez o filme tenha melhor recepção quando sair nas locadoras (que em dvd tem várias coisas legais, incluindo o director's cut).
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